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Dobrar casas, destravar barreiras: lições da Boxabl para a Construção Modular Offsite
A aposta radical da Boxabl: casas dobráveis para revolucionar o transporte e a montagem offsite.
Bruno Loreto
18 de junho de 2025 • Tempo de leitura: 12 minutos
Radar Terracotta Dive In
A construção modular offsite já não é mais apenas uma tendência – é uma necessidade diante dos desafios de produtividade e escala enfrentados pelo setor imobiliário.
Apesar dos avanços e do entusiasmo com a industrialização da construção, os entraves permanecem – e um deles só aparece quando o caminhão sai da fábrica: a logística
No Dive In de hoje, trazemos o case da Boxabl, empresa americana que levantou mais de US$ 170 milhões para desenvolver um novo conceito de construção offsite.
O Dive In é uma edição especial do Radar Terracotta, fora do dia convencional (sexta-feira). Aqui, aprofundamos em um tema-chave e te convidamos a pensar a respeito de como isso pode impactar o seu negócio.
As edições especiais ficarão disponíveis apenas por uma semana. Depois, o acesso será exclusivo para assinantes do Radar Terracotta Pro – que poderão ver outros conteúdos exclusivos como este.
Boa leitura!
Na edição de hoje:
#1
As barreiras são múltiplas, mas uma delas é logística
Um dos principais gargalos para a viabilidade de uma casa modular está no transporte.
Levar uma casa pronta até o terreno do cliente impõe limitações estruturais: necessidade de veículos sob medida, licenças específicas, rotas autorizadas e custos adicionais que variam por região.
O custo de transporte de uma casa pronta sem o modelo dobrável pode chegar a US$ 10.000, representando cerca de 15% do valor final da unidade – um custo que, além de impactar a margem, inviabiliza a escala em regiões mais distantes da fábrica.
Frente a esses desafios, a maior parte do setor adota a painelização como alternativa.
Os elementos estruturais são produzidos na fábrica – como paredes, lajes e coberturas – e a montagem acontece no canteiro. O que resolve parte da logística e reduz os custos de transporte, mas mantém um elevado nível de mão de obra onsite.
Com a montagem feita no campo, a produtividade da fábrica se dilui. É preciso lidar com variabilidade climática, disponibilidade de equipe, imprevistos de obra e ajustes in loco.
O resultado? Parte dos ganhos da industrialização se perde, já que a dependência do canteiro de obras mantém os mesmos gargalos de produtividade
#2
A Boxabl se propôs a atacar isso com o conceito de Casas Dobráveis
Foi aí que a Boxabl ousou.
Em vez de adaptar o processo à logística, ela redesenhou o produto com foco total em eficiência de transporte e montagem.
Sua principal inovação foi a criação de uma linha de casas dobráveis, que saem praticamente prontas da fábrica e são pensadas desde o início para minimizar atritos logísticos.
A primeira linha da empresa é a Casita, uma unidade de aproximadamente 35 m², com layout tipo estúdio: cozinha equipada, banheiro completo, área de dormir e sala integradas.
Seu diferencial está na engenharia do casco estrutural: a casa pode ser dobrada de forma a reduzir sua largura de 6,10 metros para apenas 2,59 metros – o suficiente para caber em um caminhão convencional.
Além da Casita, a empresa trabalha no desenvolvimento de versões empilháveis e conectáveis, com foco em atender diferentes tipologias de uso, desde habitação permanente até soluções temporárias ou institucionais (como alojamentos, hospitais de campanha e escolas).
A estrutura da Boxabl é composta por painéis de aço galvanizado com núcleo isolante (EPS), o que garante leveza, resistência ao fogo, à água e a pragas, além de excelente desempenho térmico e acústico.
Toda a fiação elétrica, encanamento e acabamentos internos são instalados em fábrica, dentro de um processo padronizado e repetível.
A Ideia é simples: dobrar, transportar, desdobrar e finalizar.
A casa sai da fábrica finalizada, é dobrada, transportada por meios convencionais e, ao chegar ao terreno, leva apenas duas horas para ser desdobrada e concluída. Sem canteiro, sem retrabalho, sem improviso.
Os resultados: logística otimizada, economia real e montagem acelerada
A Boxabl reporta que, ao dobrar suas unidades para transporte convencional:
Reduziu o custo logístico de até US$ 10.000 para cerca de US$ 1.200 por unidade;
Atingiu uma economia de aproximadamente 7% no custo final da casa, graças à eficiência logística e montagem simplificada;
Conseguiu realizar a montagem onsite em cerca de 90 minutos, com uma equipe mínima, praticamente eliminando as variáveis do canteiro de obras.
Mas o que torna a Boxabl realmente relevante não é apenas a inovação em design. É o conjunto de estratégias que ela mobiliza para enfrentar os desafios do offsite.
#3
O case da Boxabl revela estratégias-chave para o Modular
Mais do que produto, a Boxabl é um case de estratégia.
Ela enfrenta de forma pragmática os maiores obstáculos do modelo industrializado – e cada decisão revela aprendizados profundos.
O desafio da geração de demanda
O mercado de habitação é gigantesco, mas transformar demanda latente em vendas é outra história.
Fábricas precisam de escala para se justificar, e isso exige ocupação plena da capacidade produtiva.
A Boxabl tentou atacar esse ponto criando uma lista de espera com mais de 190 mil interessados – usando mecanismos de adesão pagos.
Atraiu nomes como Elon Musk, dominou a arte do crowdfunding, tudo como parte de uma estratégia de comunicação.
Isso gerou desejo e prova social, mas não garantiu demanda real no curto prazo.
A estratégia alternativa foi focar em clientes B2B. Contratos com governos, empresas, redes de hospitalidade e incorporadores trazem volume, previsibilidade e escala.
E deu certo. A Boxabl já entregou para bases militares, hotéis e firmou parcerias com a D.R. Horton, maior construtora residencial dos EUA.
O desafio de produto: pensar como indústria
Mais do que na incorporação tradicional, a construção offsite exige um olhar de produto. É preciso criar soluções com proposta de valor clara, que se encaixem na linha de produção e que driblem obstáculos normativos.
O exemplo da BabyBox mostra isso com clareza: um módulo classificado como “veículo recreativo” (RV), escapando da regulação rígida de habitação. Isso acelera licenciamento, financiamento e uso emergencial.
Mas o desenvolvimento do produto não pode ignorar o conceito da linha de montagem e a padronização necessárias ao ganho de escala, o que torna o desafio de equilibrar os múltiplos objetivos ainda maior.
O desafio do financiamento: facilitar a jornada
Outro obstáculo central é o financiamento. Para tornar sua proposta acessível e viável, a Boxabl buscou alternativas que simplificassem o processo para o comprador final.
Uma das principais soluções foi a parceria com a Helloc, uma plataforma de crédito imobiliário que permite aos clientes utilizar linhas de financiamento baseadas em home equity – ou seja, usando a própria propriedade como garantia.
O diferencial da Helloc está na agilidade e na desburocratização. Ao contrário dos modelos tradicionais, onde o financiamento depende da aprovação de instituições bancárias e de exigências complexas de avaliação do imóvel, o sistema da Helloc permite que o comprador acesse crédito mesmo em estágios iniciais da obra, com prazos reduzidos e flexibilidade contratual.
Além disso, a Boxabl também firmou acordos com fintechs e credores alternativos que possibilitam financiamentos sem garantias rígidas – um passo fundamental, considerando que muitos de seus produtos não se enquadram nas classificações convencionais de habitação e, portanto, não são facilmente financiáveis pelos bancos tradicionais.
Essa abordagem financeira é parte fundamental da estratégia de go-to-market da empresa: sem crédito descomplicado, não há escala para o offsite.
#4
Lições para o Brasil: como pensar Modular com pé no chão
Os desafios são universais – e superáveis
A “síndrome de vira-lata” precisa ficar para trás.
Os mesmos problemas enfrentados por empresas americanas são vividos aqui: regulação, logística, cultura, funding.
Não podemos menosprezar o trabalho que as empresas de construção modular offsite tem sido capazes de desenvolver por aqui.
Não à toa vemos algumas delas já se aventurando no mercado americano.
O que abre a real oportunidade de pensar um negócio de construção internacional. O sonho do custo em real e receita em dólar.
Geração de demanda não pode ser terceirizada
Não basta montar a fábrica e esperar os clientes aparecerem.
Originar demanda é um pilar estratégico, que deve estar no core da operação – não terceirizado ao marketing ou vendas.
A integração entre estratégia de produto, linha de produção e distribuição se torna uma competência central de uma empresa de construção modular.
A falta dessa capacidade resulta no que vemos em inúmeros casos de fabricantes que não conseguirão se tornar relevantes na evolução desse mercado.
A conta precisa fechar – inovar no produto é parte da solução
No final, tudo precisa caber na planilha.
E para isso, inovar como a Boxabl fez – no produto, na entrega, na regulação e no financiamento – não é opcional. É essencial.
#5
E a Boxabl vai dar certo?
A verdade é que ninguém sabe.
A empresa já levantou mais de US$ 170 milhões, atraiu holofotes internacionais e formou uma base de fãs que inclui celebridades e influenciadores.
Mas os sinais de alerta são numerosos:
A produção prometida de milhares de unidades por ano ainda não se concretizou – estima-se que menos de 500 casas tenham sido efetivamente entregues;
A empresa enfrenta críticas por superestimar sua capacidade produtiva e por falta de transparência sobre a real taxa de conversão de sua gigantesca lista de espera;
Há denúncias de atrasos na entrega, problemas de qualidade em unidades entregues e dúvidas quanto à rentabilidade do modelo frente à operação real;
Internamente, há relatos de dificuldades na gestão da operação e na entrega de contratos públicos, incluindo desafios em contratos com agências do governo norte-americano.
Apesar do produto inovador, a Boxabl pode estar enfrentando o clássico dilema das startups industriais: escalar sem estar operacionalmente madura.
Mas se errar faz parte do jogo da inovação, a Boxabl já está jogando em outro nível. No mínimo, ela já entregou ao setor algo valioso: um novo jeito de pensar construção, produto e viabilidade. E isso, por si só, já vale o aprendizado.
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